Como a leitura além do óbvio do Pequeno Príncipe pode mudar sua vida
- Jordino
- há 7 dias
- 4 min de leitura

Como a leitura além do óbvio do Pequeno Príncipe pode mudar sua vida
O mundo está cheio de gente respondendo a si mesmas. O Pequeno Príncipe, na obra de Antoine de Saint-Exupéry, nunca respondia às perguntas, mas jamais desistia de suas perguntas até que obtivesse sua resposta. Quem vive respondendo aprende pouco, conhece pouco e perde muito. Mas por que isso tem sido ignorado e como isso tem levado o mundo a um nível alarmante de ignorância e superficialidade, onde as respostas se tornam vagas e infundadas? Por isso hoje, eu te convido a compreender o essencial que passou batido no Pequeno Príncipe e como passar a enxergá-lo transformará a sua vida.
Opa, aqui é o Jordino, beleza? Olha, eu gostaria de ter lido “O Pequeno Príncipe” quando criança porque assim eu saberia o que esta obra causaria no pequeno Jordino. Infelizmente, só li depois de adulto, quando as conclusões são outras e “o essencial é invisível aos olhos”, frase marcante da obra, ganha significados mais complexos. Porque o adulto tem essa mania de querer desvendar tudo, teorizar tudo, encontrar respostas para toda ocasião, não por ter curiosidade e encanto pela vida, como a criança, mas por buscar justificar-se perante as suas ações.
Logo no início do livro, já temos uma prévia disso: quando ninguém compreende o desenho do narrador (uma jibóia digerindo um elefante). Devido às pessoas grandes não compreenderem seu desenho, ele faz um outro desenhando o elefante no interior da jibóia. “Pessoas grandes têm sempre necessidade de explicações”, diz o narrador. E como isso é chato.
As conclusões infantis são mais simples e muito mais assertivas porque vão direto ao ponto. E a simplicidade sempre sempre me convence, pois as respostas mais profundas que obtive até hoje chegaram de forma mansa e tranquila. Não gosto de resposta pomposa, pois aparentam estar servindo a si mesma e não aos interessados em seu conteúdo. Você foi uma criança curiosa, questionadora e inventiva?
As perguntas bem feitas nem sempre resultam em respostas na mesma medida, mas sempre deixam boas reflexões. Por exemplo, nos diálogos do Pequeno Príncipe com o narrador, o principezinho sempre provocava uma atitude pensativa no seu amigo. O piazinho era uma metralhadora de perguntas, mas de perguntas curiosas, sinceras e bem feitas.
O pequeno príncipe viajou por muitos planetas, e se encontrou com alguns personagens marcantes neles, dos quais procurou conhecer a essência de suas atitudes e sua visão da vida. Ele fazia isso de maneira natural. Tá, ok, muito interessante, isso quer dizer que eu preciso sair perguntando por aí?
Não exatamente. Veja bem, Sócrates, filósofo grego, não era de dar respostas diretas, em vez disso, ele conduzia as pessoas por uma série de perguntas hábeis que os ajudavam a refletir sobre suas próprias crenças e conhecimentos. Com isso, ele estimulava o pensamento crítico e a busca pela verdade através do diálogo e da investigação.
Assim como uma parteira ajuda a mulher a dar à luz a um bebê, Sócrates ajudava as pessoas a "dar à luz" suas ideias e a isso chamamos de maiêutica, uma técnica filosófica. O que me leva a crer que está faltando parteiros e parteiras neste nosso mundão. Ora bolas, se das perguntas é que surge o conhecimento, então é essencial saber perguntar, uma condição raríssima hoje em dia. Vai lá, faça uma pesquisa rápida aí, passe pelos maiores podcasts do Brasil e analise a qualidade das perguntas. Aí já aproveito para perguntar: temos as nossas próprias convicções em relação às nossas respostas, ou simplesmente respondemos conceitos já pré-estabelecidos?
Isso é muito comum na forma como somos ensinados na escola e na faculdade, aprendemos a decorar conceitos e responder como tal filósofo pensa, o que aconteceu no século não sei o que, que transformou num sei o que lá, o que tal personalidade histórica fez no ano 1900 e guaraná com rolha. Mas não somos instigados a compreender os efeitos dessas ações no curso da vida. A reflexão é fundamental e ela tem sido escanteada, de maneira que só fazendo um gol olímpico pode voltar a ter prioridade. Essa foi uma metáfora só para os jogadores caros.
Se eu chegasse aqui neste texto e dissesse a você: “a maiêutica é uma metodologia filosófica central na tradição socrática que utiliza o diálogo como ferramenta para provocar a reflexão e o autoconhecimento”. Você poderia dizer, hum legal, mas e agora o que eu faço com isso?
Hoje em dia é muito tranquilo encontrar respostas para o que é tal coisa. O que significa isso. Por que num sei o que lá. Estamos na era da informação, o que você quiser, tu acha. Com a IA você até pode deixar que ela pense por você, inclusive com conceitos inteiros destrinchados. Porém isso não agregará em nada se você não se colocar numa atitude de reflexão e conversar com o que está sendo apresentado. Tá entendendo?
Monges católicos a séculos realizam a Lectio Divina, que é uma leitura orante da bíblia. Para isso eles usam quatro passos simples. O que o texto diz. O que o texto me diz. O que o texto me faz dizer a Deus. E aí a contemplação e ação. Inspirado nessa ideia, eu costumo fazer o seguinte para ter uma visão de mundo. O que o mundo me diz, o que digo ao mundo e o que digo a mim mesmo.
No Ensaio Breves Considerações sobre o Conceito de ironia em Soren Kierkegaard, a autora Jacqueline Oliveira Leão diz que “A prática da maiêutica, voltada para o conhecimento de si mesmo, propiciava aos seus interlocutores a realização do trabalho de parto da verdade, levando-os a buscar, através da razão, os significado das palavras de seus próprios discursos”. Veja como é importante, digamos assim, ouvir a própria voz, escutar as respostas que vem de si.
Quando eu estava lá no primário, quando a turma não parava de falar, a professora dizia. “Vocês precisam me ouvir, mas para isso precisam parar de falar. Por isso Deus deu a vocês dois ouvidos, mas apenas uma boca”. Era um belo argumento.
Comments