
Se você está ligado nos eventos literários por aí, vai se dar conta de que a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty 2024) teve como grande homenageado João do Rio, jornalista, escritor e dramaturgo brasileiro, um dos cronistas mais brilhantes do início do século XX.
Para começo de conversa, como você pode imaginar, João do Rio era seu pseudônimo. Sim, porque seu nome de batismo era Paulo Barreto. Nasceu em 1881 e faleceu em 1921, aos 39 anos, jovem. A inspiração para sua assinatura como autor veio da França. Lá existia um jornalista chamado Napoléon-Adrian Marx, que assinava sua coluna no Le Figaro, um jornal francês da época, como Jean de Paris. O brasileiro achou interessante aquela composição de nome e pertencimento e resolveu que também carregaria sua cidade em suas obras. Nada mais justo, pois o Rio de Janeiro sempre ocupou o centro de suas observações.
E aqui começa a despontar o João do Rio que passei a admirar. Sou um jornalista estranhamente avesso às notícias. O factual não me envolve, prefiro as grandes reportagens, aquelas feitas com tempo, pesquisa, volume de buscas. Não gosto da informação corriqueira. E com a velocidade na comunicação e a tecnologia disponível hoje, o repórter pode fazer seu trabalho sem sequer deixar a redação. Há pouco espaço para aqueles que desejam contar e escrever sua matéria a partir de si como testemunhas oculares da história.
João do Rio frequentava salões elegantes e até esnobes, mas também fluía bem pelas regiões mais desfavorecidas. Essa sua desenvoltura e adaptação conforme o ambiente o fez enxergar a sociedade da época na totalidade. A meu ver, isso era o seu grande diferencial. Ter essa visão ampla do Rio de Janeiro da sua época provavelmente foi um ponto-chave para ter alcançado tamanho prestígio. Ele se distinguia por isso.
Há relatos de que o cronista foi o primeiro a visitar um terreiro de candomblé, a assistir uma roda de samba e a cobrir uma partida de futebol. Das suas experiências surgiram volumes e mais volumes de crônicas. Sua capacidade de observação o tornava muito sagaz e, somando isso a sua sensibilidade, era capaz de conciliar técnicas jornalísticas com recursos literários. Não à toa é considerado por muitos como o pai da crônica moderna.
É verdade que ao longo da história sua obra acabou caindo no esquecimento, sendo a 22ª edição da FLIP, em 2024, uma das responsáveis por invocar o observador do Rio no trato da literatura atual. Já tratei deste tema em outros posts por aqui. Tenho a opinião de que esse esquecimento não é exatamente sobre João do Rio, mas sobre a crônica em si.
A observação cotidiana, que às vezes se detém até nas pequenas banalidades, não cabe em um mundo de conexões onde exige velocidade e produtividade. Repito o que já escrevi em algum lugar antes: A crônica é o que melhor nos compreende. As pessoas privilegiam o extraordinário em detrimento do ordinário, mas se esquecem de que a vida acontece no cotidiano, nas lidas diárias, no abrir e fechar dos olhos que iniciam e encerram o dia.
João do Rio deixou obras que ainda têm muito a nos contar. Abaixo deixo uma sugestão, trata-se de sua obra mais famosa: A Alma Encantadora das Ruas (1908)
Em A alma encantadora das ruas, uma coletânea de textos publicados entre 1904 e 1907, João do Rio explora as ruas do Rio de Janeiro para capturar a essência da cidade em constante mudança. Naquela época, o Rio deixava de ser uma cidade pacata para se tornar a moderna e agitada capital do país. João do Rio, conhecido por seu estilo sofisticado e olhar curioso, transformava o simples ato de caminhar pelas ruas em uma forma de viver e entender o mundo ao seu redor.
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