Estão roubando sua imaginação e o que Vigotski tem a ver com isso
- Jordino
- 2 de mai.
- 5 min de leitura

Estão roubando sua imaginação e o que Vigotski tem a ver com isso
Para Vigotski, um grande pensador russo sobre o desenvolvimento humano, quanto mais ricas e significativas forem as experiências do sujeito, maior será o desenvolvimento da sua imaginação e capacidade criadora. Sendo assim, torna-se indispensável a presença de elementos reais e vivências cotidianas para imaginar e criar. Isso quer dizer que a realidade (guarde bem essa palavra) é a matéria-prima para a imaginação e criação. Vamos entender mais sobre isso e por que a sua imaginação está sendo surrupiada.
Opa, aqui é o Jordino, blz? E olha, se eu encontrasse um gênio da lâmpada, provavelmente, eu teria três desejos, pois assim reza a Constituição Internacional dos Gênios Lamparinos. Certo disso, meu primeiro pedido seria: “dê-me imaginação”.
Alcançada essa graça, me sobraria criatividade para os próximos pedidos, dos quais não faço ideia do que poderia ser. Alguém que tem na escrita seu ganha-pão não pode se privar de imaginar. E é por isso que assim, logo de cara, intimaria o gênio a transformar minha mente.
Agora eu quero te fazer uma pergunta: No que você pensa quando está avulso na vida, isto é, quando você está longe das telas e de livros, ou qualquer outra coisa que exija sua atenção. Eu não sei se isso acontece com você, mas nestes momentos o que mais costuma me surgir na mente são conteúdos que vi por meio das telas. Vídeos, imagens, notícias, informações aleatórias. Enquanto que aquilo que é verdadeiramente real, ou seja, alguma situação que vivenciei, uma conversa, um episódio qualquer, não tem muito espaço nessas horas. Isso me faz pensar no quanto estou presente no momento em que as coisas estão acontecendo à minha volta, na REALIDADE.
E aí, se identificou? Tá, Jordino, até me identifiquei, mas o que isso significa? Quem está roubando minha imaginação?
Você talvez já tenha escutado a frase: O meio é a mensagem. Quem teorizou isso foi o filósofo canadense Marshall McLuhan. O cara cunhou teorias que, olhando hoje, parecem até profecias. Pra você ter uma ideia ele tinha uma teoria sobre a “Aldeia Global”. O que é isso? Praticamente ele previu que, com o avanço das tecnologias de comunicação, o mundo se tornaria interconectado como uma pequena aldeia, onde a informação estaria em qualquer canto do planeta de forma instantânea.
Hoje isso parece muito óbvio. Mas ele já falava sobre isso na década de 1960, em seu livro The Gutemberg Galaxy: The making of typographic man. Em tradução livre: A Galáxia de Gutemberg: A Formação do homem tipográfico. Naquela época, ele fazia sua reflexão a partir dos efeitos da televisão na sociedade. McLuham entendia os meios tecnológicos, o que já existiam e os que haviam de vir, como um ambiente no qual todas as ações seriam realizadas. Isso, na sua visão, fortalecia a ideia de que a busca por informações acabaria moldando nossa forma de pensar, de agir e de ser. A ideia de aldeia global surgiu muito antes da internet. O cara já pressentia o perigo e o caos deste mundo onde a comunicação ultrapassa fronteiras em tempo real.
Está conseguindo entender até aqui?
Então não se disperse porque agora vem uma parte importante. McLuham entende as novas tecnologias como um ambiente, elas não são apenas um meio de comunicação, elas são um espaço no qual o sujeito vive e age, onde todas as ações são realizadas. McLuham quando falava de novas tecnologias se referia a televisão, porque era o que estava acontecendo na sua época. Ele ficava espantado porque percebia que estas novas tecnologias levavam a um processo de perda da privacidade e ao desenvolvimento de múltiplas identidades. O cara se horrorizava com a televisão em seu início. O que ele pensaria do nosso mundo hoje?
Se McLuham estivesse vivo veria seu conceito ser concretizado e um mundo cheio de desafios. Afinal de contas, a hiperconectividade gerou polarização, bolhas informativas e excesso de dados. Infelizmente a ideia de aldeia global não significa apenas a proximidade, mas também novas formas de conflitos e interação.
Preste atenção aqui: Então nós podemos dizer que a ideia de McLuham tem alguns aspectos positivos como: Maior acesso à informação. Quebra de fronteiras culturais. Mas também negativos como: Perda da privacidade, devido a conexão e exposição. Conflitos intensificados, porque as opiniões divergentes podem se chocar de forma muito mais rápida. Massificação da cultura, onde poucas vozes podem dominar a narrativa global.
E agora vem um ponto-chave. A expansão dos nossos sentidos. Para McLuham a conexão em um nível global gera uma nova consciência coletiva e justamente por isso usa o termo aldeia, associando o mundo conectado às sociedades tribais antigas, onde todos sabiam de tudo e sobre todos. Para delírio das marias fifis. Agora isso ocorre em uma escala global.
E McLuham pode contribuir ainda mais com sua ideia das tecnologias como extensões do homem. Para ele, toda tecnologia é uma extensão do corpo humano. Vejamos:
A roda é uma extensão dos pés. O telefone é uma extensão da voz. A televisão e o computador são extensões dos sentidos humanos, da visão, audição e até da capacidade de conexão com outros à distância. O carro pode ser visto como uma extensão do corpo, especialmente das pernas, permitindo locomoção rápida e mudando nossa relação com o espaço.
No caso do carro, veja, as pessoas muitas vezes dirigem de forma intuitiva, digamos “sentindo” o veículo como se fosse uma parte do próprio corpo.
Sendo assim, McLuhan afirma que uma tecnologia usada de forma intensa passa a ser incorporada pelo seu usuário, tornando-se um prolongamento natural de suas capacidades físicas e mentais. Isso quer dizer que, quando utilizamos uma tecnologia, especialmente o smartphone, por exemplo, o incorporamos de tal maneira que ele se torna uma parte de nós, ditando como interagimos com o mundo e os outros.
Parece que estamos matando a charada, né? Mas onde está a imaginação nisso tudo?
Lembra que no começo do texto falei sobre Vigotiski? E que era pra você guardar bem uma palavrinha? Não lembra, né? A palavra era realidade.
Então, quando falamos que McLuham entende as novas tecnologias como um ambiente, um espaço no qual o sujeito vive e age, onde todas as ações são realizadas, não estamos tratando exatamente de um lugar real.
Tá e daí? Vigotski afirma que a imaginação está diretamente ligada à realidade. Para ele torna-se imprescindível a presença de elementos reais e vivências cotidianas para imaginar e criar. Para ele, a atividade criadora da imaginação encontra-se em relação direta com a riqueza e a variedade da experiência acumulada pelo homem. E ainda, quanto mais rica for a experiência humana, tanto mais abundante será o material que a imaginação dispõe.
Ou seja, se não há o contato com a realidade, como é possível obter matéria-prima para o exercício da imaginação? Em um artigo muito interessante, chamado ‘O Conceito de Imaginação em Vigotski', dos autores Letícia Maria Montoya, Letícia Busquim e Thais De Sá Gomes, a imaginação para Vigotski é sintetizado como uma função psíquica superior que se desenvolve por meio das atividades desempenhadas pelos sujeitos. Então, quanto mais ricas e significativas forem as experiências do sujeito, maior será o desenvolvimento de sua imaginação e capacidade criadora. Portanto, torna-se imprescindível a presença de elementos reais e vivências cotidianas para imaginar e criar. Sendo assim, a realidade torna-se o substrato essencial para a imaginação e criação.
E ainda: A imaginação não é um dom, ninguém nasce pronto para imaginar, a criatividade é algo que se adquire a partir de experiências da realidade.
E, concluindo de vez este pensamento, temos Vigotski dizendo que tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia.
Agora você entende porque meu primeiro pedido ao gênio da lâmpada seria imaginação? E outra também entende porque sua imaginação está sendo roubada?
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